Introdução
Portugal, durante a Primeira Guerra Mundial, combateu em três teatros de operações: em Angola, em Moçambique e em França. Em Angola e Moçambique houve consenso, a defesa das nossas colónias era uma prioridade assumida pelas várias sensibilidades políticas; na Flandres houve fortes divisões sobre a participação portuguesa, tanto interna como externamente. No entanto, e apesar do elevado número de baixas sofridas em África, as campanhas pela defesa da integridade do nosso território parece ser um assunto esquecido pelos historiadores. A maioria dos autores dedica-se apenas ao estudo das campanhas europeias, no caso Português, a participação do Corpo Expedicionário na Campanha da Flandres.
Neste trabalho, que surge no âmbito da disciplina de História Militar do Curso de Promoção a Oficial Superior, proponho-me abordar uma das batalhas ocorridas em Angola durante a Primeira Guerra: a Batalha de Naulila (ou Desastre de Naulila como alguns autores designam).
O trabalho está estruturado em três partes. Começarei por fazer o enquadramento da situação política e militar que se vivia à época e os motivos que terão levado à batalha, de seguida tentarei descrever os acontecimentos desse dia 18 de Dezembro de 1914 e para terminar vou enumerar algumas das consequências para os países intervenientes no confronto.
A escolha deste tema tem a intenção de prestar uma singela homenagem àqueles que durante a Primeira Guerra lutaram em África pela defesa das nossas colónias e que não tiveram o devido reconhecimento. Citando o historiador Marco Arrifes: \”O soldado desconhecido de África é bem mais desconhecido que o da Flandres\”
Antecedentes
O desencadear da Grande Guerra, fez crescer a desconfiança entre os colonos alemães, que ocupavam o Sudoeste Africano Alemão e África Oriental Alemã de que Portugal, sendo ainda neutral, acabaria por se juntar aos britânicos, seu tradicional aliado. No lado português, temia-se a expansão que a influência alemã teria em territórios reclamados por Portugal e sobre as populações nativas.
Apesar de ainda não se adivinhar um cenário de confronto directo, as fronteiras entre as colónias portuguesas e alemã eram palco de uma tensão crescente. Em 25 de Agosto de 1914, tropas alemãs da África Oriental Alemã tinham atacado o posto fronteiriço de Maziúa, no Norte de Moçambique, matando o chefe de posto e queimando as edificações.
Estas tensões levam, logo após a eclosão do conflito na Europa, a um consenso alargado na classe política portuguesa sobre a necessidade de defender as colónias africanas, que se traduziu no envio, em Setembro de 1914, de forças expedicionárias para Angola e Moçambique.
O incidente de Naulila
Em 18 de Outubro de 1914, junto à fronteira com os territórios do Sudoeste Africano Alemão, uma patrulha portuguesa encontrou perto do posto de Naulila uma pequena força alemã, comandada pelo Dr. Hans Schultze-Jena, juiz e administrador de distrito, que tinha entrado em Angola sem prévio aviso às autoridades portuguesas. Apesar do encontro não ter sido amigável, os militares portugueses e alemães acabaram por pernoitar juntos num improvisado acampamento.
Quando fora interceptado pelo pelotão português, Hans Schultze-Jena informara que estava em perseguição de um desertor e queria autorização do administrador de Humbe para se deslocar a Lubango.
Na manhã de 19 de Outubro, o comando da expedição alemã acompanhou o pelotão português a Naulila, enquanto os restantes membros do grupo permaneceram no local do acampamento.
À chegada a Naulila, os alemães descobrem que o capitão-mor não estava no forte e, através do intérprete dinamarquês que os acompanhava, manifestaram a sua estranheza por terem ali sido inutilmente conduzidos. O comandante da patrulha, Alferes Sereno, explicou-lhes que o capitão-mor estaria em Cuamato e que lá é que teria de se encontrar com ele. Schultze-Jena começa a acreditar que caiu numa emboscada para o separar do grupo e o desarmar. Segundo a versão do incidente fixada por sentença arbitral de Julho de 1928 do Tribunal Internacional de Lausanne, a partir daí os eventos precipitam-se: Schultze-Jena desconfia do Alferes Sereno e insiste em voltar, armado, ao seu acampamento afirmando que teria compreendido na véspera que a situação seria esclarecida em Naulila e que não passariam dali. Foram trocadas ameaças e os alemães, que já estavam montados nos seus cavalos, recusam entregar as armas, tentando fugir. O Alferes Sereno manda abrir fogo e os três alemães e os seus dois ordenanças são mortos. Do grupo alemão apenas sobreviveu o intérprete, mantido como prisioneiro pelos portugueses até Novembro de 1919.
As interpretações do sucedido extremaram-se, os alemães acreditam que os militares portugueses montaram uma armadilha aos seus, e os portugueses afirmam que o incidente foi provocado por um mal-entendido linguístico acompanhado pela recusa de desarmar. O incidente visto do lado alemão assumiu uma gravidade extrema: não se tratava de uma expedição qualquer, mas sim de uma delegação de alto nível, enviada por ordem expressa do governador da colónia para negociar com os portugueses. Hans Schultze-Jena fora encarregado pelo governo alemão de iniciar negociações com a administração portuguesa em Angola sobre o transporte do correio alemão, bloqueado pelos britânicos, e sobre a compra de víveres. Portugal ainda não tinha entrado na Primeira Guerra Mundial, sendo por isso neutral.
A indignação na Alemanha era enorme e os apelos à vingança sucederam-se.
O ataque a Cuangar
A retaliação alemã surgiu passado doze dias do incidente de Naulila. A 31 de Outubro, uma força alemã atacou Forte de Cuangar, um posto fronteiriço a leste de Naulila, destruindo o forte e matando, todo o pessoal que ali se encontrava e que não conseguiu fugir para o mato. Este incidente, ficou conhecido como o \”Massacre de Cuangar\”.
No ataque, morreram dois oficiais portugueses, um sargento, cinco soldados europeus, treze soldados indígenas e um comerciante. A restante guarnição fugiu para o mato.
Nos dias imediatos forças alemãs, apoiadas por forças nativas dos povos Cuamato, expulsam os portugueses e os seus aliados locais dos postos localizados ao longo da linha de fronteira na região do Rio Cubango. São abandonados os postos de Bunja, Sambio, Dirico e Mucusso, tornando a presença colonial de Portugal quase inexistente na região do Cubango.
O ataque a Naulila
No dia 18 de dezembro, às 5h00, uma força alemã comandada pelo Major Victor Franke, com cerca de 40 oficiais, 450 soldados europeus e 150 auxiliares africanos, ataca Naulila. Os invasores estavam organizados em duas companhias de infantaria montada, com seis peças de artilharia, duas metralhadoras pesadas, equipamentos de telégrafo e uma ambulância. Junto dos Alemães estava um líder dos Cuamato, o que lhe garantia passagem segura por zonas potencialmente hostis e abastecimentos, para além de ser um importante contributo para a deserção de auxiliares africanos das forças portuguesas.
A força portuguesa que se encontrava em Naulila dispunha de 400 homens de infantaria europeus, 180 homens de infantaria indígena, 3 peças de artilharia Erhardt e 4 metralhadoras, mais uma reserva de 240 homens de infantaria europeus, 60 indígenas e 2 peças de artilharia Canet.
Como Naulila não dispunha de organização do terreno que permitisse uma defesa eficaz, como trincheiras ou obstáculos de arame, apenas uma rudimentar preparação defensiva (Exército Português, 1994) ao fim de quatro horas de combate as tropas portuguesas viram-se obrigadas a retirar devido às baixas. O balanço foi de 69 mortos portugueses, 76 feridos e 36 militares foram feitos prisioneiros, um cativeiro que durará sete meses. Os restantes iniciam uma fuga desordenada que deixa o sul de Angola em alvoroço. O forte foi arrasado e todas as suas dependências queimadas, o mesmo acontecendo a todas as construções existentes nas imediações. Do lado alemão há 19 mortos e cerca de três dezenas de feridos. Entre os mortos portugueses estava o Alferes Álvares Sereno, o homem que ordenou os disparos fatais em Naulila, a 19 de outubro. Estava consumado o ataque a Naulila, menos de dois meses depois do incidente que aí ocorrera.
A derrota portuguesa deve-se, para alguns autores, em grande medida à situação politica que se vivia na altura, à indefinição dos políticos e à posição neutral que Portugal continuava a assumir. Como Portugal e a Alemanha não estavam formalmente em guerra, as indicações eram para que não se atacassem as forças alemãs, apesar destas terem invadido o território português com o conhecimento da expedição portuguesa, que até monitorizou o seu avanço. Ainda que houvesse uma grande desproporcionalidade do potencial relativo de combate o desfecho poderia ter sido outro se as regras de empenhamento emanadas de Lisboa não tivessem sido tão restritivas.
Augusto Casimiro afirma que os portugueses poderiam ter derrotado as forças alemãs, beneficiando do efeito surpresa, mas que o comando ficara paralisado pela indefinição política.
Aniceto Afonso, no Capítulo \”Portugal e a Guerra nas Colónias\” da obra colectiva \”História da Primeira República Portuguesa\”, afirma que a força expedicionária de Angola tinha ordens do Governo português para não efectuar qualquer acção ofensiva e nem sequer entrar na zona neutra, o que o leva a considerar como explicação para não ter existido um ataque sobre a frente avançada alemã. Assim a iniciativa do ataque pertenceu aos alemães, que no dia 18 de Dezembro já se encontravam reforçados pelas forças do Major Frank.
No seu relatório, escrito após a derrota, o comandante das forças portuguesas, Tenente-Coronel Alves Roçadas, explica que a falta de ofensiva dos portugueses se devera às instruções recebidas de Lisboa, por telegrama datado de 25 de Novembro, nas quais era afirmado: «É necessário todos, oficiais e praças saibam, não estamos em guerra com Alemanha, e tomar medidas nossas patrulhas não entrem sequer zona neutra».
Ferreira Martins, na sua obra \”Portugal na Grande Guerra\”, Vol. II, a defesa de Naulila teve falta dedirecção e de comando, esforços dispersos que nunca chegam a termo, muito embora a grande maioria das forças empenhadas se tenham batido com energia, tenacidade e valor\”.
Consequências da Batalha de Naulila
Em consequência da perda de prestígio das forças portuguesas e do caos político que se seguiu, no plano local, a derrota em Naulila e a retirada para a linha dos Gambos veio reacender a resistência dos povos cuanhamas e seus aliados, destruindo os ganhos que os portugueses haviam obtido com as campanhas de pacificação da década anterior. As populações de Huíla revoltaram-se contra a ocupação portuguesa, provocando uma longa crise que apenas se resolveria com a presença na região de uma força expedicionária enviada de Portugal sob o comando do general Pereira d\’Eça, que chega a Angola em Março de 1915.
Num contexto mais vasto, o incidente de Naulila influenciou profundamente a opinião pública portuguesa no sentido da beligerância: os defensores da entrada de Portugal na guerra contra a Alemanha ganharam uma causa unificadora. Naulila foi o grande catalisador do processo que levaria Portugal a entrar na Grande Guerra a 9 de Março de 1916.
Apesar dos portugueses descreverem a batalha como um \”desastre\”, a vitória alemã em Naulila teve um preço demasiado elevado: o \”ultraje de Naulila\” foi vingado, mas a consequente ruptura com as autoridades portuguesas em Angola levou ao fecho da única fronteira ainda aberta da colónia alemã, já que pelo sul e pelo leste as forças britânicas da União Sul-Africana já a sitiavam desde a declaração de guerra britânica de 5 de Julho de 1914 e, por mar, a poderosa marinha britânica impunha um apertado bloqueio. Com as comunicações cortadas e sem rotas de reabastecimento, em Julho de 1915 a Damaralândia rendeu-se às forças da União Sul-Africana. O incidente de Naulila, de que resultou o corte do reabastecimento a partir de Angola, foi factor determinante na rendição. A vitória em Naulila acabou por determinar a perda da colónia.
Conclusão
aTAQUE PREEMTIVO/VINGANÇA
E de volta à Pátria, como terá sido a recepção que estes heróis tiveram no cais de desembarque? Para melhor descrever esse regresso à Metrópole, após a missão cumprida, explica-nos o Dr. Pires de Lima: \”(…) a esperar-nos, ninguém, nem a Cruz Vermelha, na hipótese, infelizmente verdadeira, de trazermos doentes, que careciam de ser transportados em maca…recordei então as notícias, que tinha lido, da maneira como eram recebidos, com mimos e carinhos femininos, os feridos e doentes, que regressavam de França (…)\”